A voz esquecida de Mainha
Mama África é vida. O velho continente deu origem a todos nós e escrevo isso aqui por reconhecer a responsabilidade biológica que temos para honrar com esse amor. Com isso em vista, busco agradecer aos que vieram antes de nós, que viveram e morreram para criar o mundo no qual vivemos. Para criar o mundo que somos.
Escrevo também para lembrar. Lembrar porque parece que o nosso povo esqueceu. Esqueceu da diáspora Africana. Esqueceu da maior migração forçada da história da humanidade. Esqueceu do soldado de búffalo que era livre, virou escravo, teve seu cabelo raspado junto com a sua história, foi vendido como especiaria, atravessou o atlântico, foi forçado a lutar guerras que não eram suas, escapou, lutou, foi capturado novamente, apanhou e explorado até o final da vida. Esqueceu da história da gente que construiu esse país verde e amarelo, com as mãos calejadas e a carne violentada. Esqueceu porque era conveniente esquecer. Esqueceu porque se não esquecesse não dormia mais.
No colégio, nós estudamos a história da “Descoberta” do continente Africano pelos colonizadores europeus, mas os livros ocidentais de história foram escritos por um dos lados desse conflito. Comece a contar a história pelas flechas dos índios e não com a chegada das caravanas portuguesas, e você vai ter uma história completamente diferente. Comece a contar a história pela criação dos quilombos, e não pelo progresso econômico das plantações de cana, e você também vai ter uma história diferente. Comece a contar a história pelas jaulas e correntes, e não pela “descoberta” da África, que a história vai ser outra.
Acorda, Brasil. O racismo existe e o sistema não quer que você o reconheça, porque esse reconhecimento ameaça o sistema. A mentalidade racista nos faz desvalorizar os conhecimentos antigos e assim perdemos os conselhos da Mãe África. A dor grita dessa perda grita alto, já não traga o esquecimento do extermínio, da segregação, do sistema colonizador que segue com força e fome. Pelos que já foram, pelos que ainda estão por vir, mas — principalmente — por nós mesmos, precisamos resgatar essa ancestralidade.
Mas o que dizia Mama África nos tempos em que ainda sabíamos ouvir?
O que aprendi com a vivência nas tribos de lá foi que Mainha talvez nem diga nada, mas transmita silenciosamente os saberes que observou e absorveu com os seus ancestrais. Manifesta essa sabedoria através do cuidado: Cuida da Terra, cuida da Gente e cuida de Si. Cuidando de Si ela cuida da Terra, cuidando da Terra ela cuida da Gente, cuidando da Gente ela cuida de Si, cuidando de Si ela cuida da Gente, cuidando da Gente ela cuida da Terra e cuidando da Terra ela cuida de Si.
Vou tentar sintetizar os três maiores aprendizados que pude absorver através do exemplo de mulheres em tribos na África:
Cuidar da Terra: Não-Violência Ecológica
Porque é importante não se separar da paisagem. Tornar-se um com o todo é entender-se brotando da Terra como goiabas brotam da goiabeira. Gaia nos gestou e nos acolheu, mas agora anseia pelo nosso acolhimento. Como uma mãe que carrega antes a potencialidade da vida para depois gerar a vida a partir de si, o velho continente levou milhões de anos de gestação dos primeiros seres humanos. Seres inteligentes, capazes de criar ferramentas, planos, histórias e até novas paisagens através da linguagem. Seres capazes de transformar as vidas de todos os outros seres da Terra, para o bem e para o mal. Seres com a cosnciência necessária para cuidar da Terra que os criou.
Cuidar da Gente: Não-Violência Antropológica
No começo nos conectávamos de forma tribal. Os rituais, os ciclos da natureza e a sabedoria dos anciãos nos guiavam como povos nômades, explorando novas paisagens, novas moradas e criando novas histórias no caminho. Não se tirava mais da Terra do que ela podia repor, mantinha-se um profundo respeito com os ancestrais e as condições adversas mantinham um senso de cooperação que era imprescindível para a sobrevivência das tribos. Cada pessoa tinha a sua função e contribuição única para o grupo como instrumentos de uma orquestra segundo uma mesma melodia. O senso de individualidade não existia. Cuidar do outro é como cuidar de si. Ubuntu.
Cuidar de Si: Não-Violência Biológica
No final, Mama África precisa estar bem para poder também cudar de seus filhos. Cuidar da própria biologia é celebrar a vida através do carinho com a própria existência. A beleza e a verdade só podem brotar de dentro pra fora. Que o cuidado seja a nossa salvação!
Buscarei aprofundar a atuação da Afrikkana através desses três pilares para todos os nossos projetos futuros. Até a próxima!