Ensaio sobre a vida nômade

Chegar todo dia em um lugar onde você nunca esteve antes. Ter como seu só o que cabe dentro de uma mochila. Comer e dormir aonde der, do jeito que der. Conhecer uma cultura e um mundo diferente a cada conversa. Não saber em que país você estará na semana que vem e nem o que vai fazer no dia seguinte. A vida nômade é muitas coisas ao mesmo tempo e também é uma coisa de cada vez. Vivê-la de verdade significa mergulhar no mundo, tanto no que está dentro quanto no que está fora de si mesmo. É um mergulho duplo, e a sua dualidade te faz experimentar coisas que não são confortáveis. Lindas, sim. Engrandecedoras, com certeza. Porém, curiosamente desconfortáveis. Sempre digo que essa viagem não é o que eu esperava, mas é exatamente o que eu precisava. Para ser sincero, antes de partir eu tinha uma ideia muito mais romântica do que seria dar uma volta ao redor do planeta, mas hoje agradeço todo dia pelo que o mundo realmente tem me mostrado.

Eu esperava aprender exatamente o que eu achava que precisava aprender, mas a verdade é que o ato de viajar te dá respostas pra perguntas que você ainda não fez. Percebi que geralmente existe uma certa discrepância entre o que achamos que precisamos e o que de fato precisamos. Quando viaja, você acaba vivendo coisas que não esperava, e essa descoberta não planejada te proporciona aulas relâmpago sobre disciplinas que você nem sabia que existiam. Quando deparado com uma situação desafiadora, intensa e nunca experimentada antes, um mergulho no seu mundo interior se torna inevitável, e a verdade é que a gente nunca sabe o que pode encontrar lá dentro. Eu gosto de imaginar que ser nômade é como ser arqueólogo, são grandes as chances de encontrar alguma coisa além da que você procurava no meio da areia.
Eis aqui cinco verdades que acabei aprendendo sem querer:
#1 — Sobre cada passo ser um novo passo
A sola da minha bota literalmente encosta em solo estranho a cada passo que eu dou. Os meus olhos veem coisas pela primeira vez a cada novo olhar. Cada pessoa que eu conheço, cada coisa que eu toco: tudo é sempre inédito. Isso se torna muito louco a partir do momento que você entende o que está realmente acontecendo nesse processo. A minha conclusão filosofando sobre o assunto foi a seguinte: O homem só sabe de verdade aquilo que testemunha. Alguns escolhem acreditar nos testemunhos dos outros, mas a verdade autêntica é o mundo de cada um, que é aquilo que percebemos a partir de nossas próprias experiências. Em outras palavras, nós conheceremos o mundo externo na mesma medida que conhecermos também o nosso mundo interno. Isso porque a única maneira de ver o mundo “real” é através das lentes da nossa própria consciência, o que dá origem ao que chamamos de perspectiva. Quando a sua perspectiva muda, o seu mundo muda junto com ela. Ser nômade requer experimentar coisas novas o tempo todo e, consequentemente, mudar de perspectiva a cada passo. O lugar muda, as pessoas mudam, as aspirações mudam, os costumes mudam… E eu não tenho palavras pra descrever o quão divertido é viver um mundo novo a cada dia.
#2 — Sobre possuir só o que se consegue carregar
Hoje as únicas coisas que eu realmente tenho são as que cabem dentro da minha mochila. E é incrível perceber o quão pouco a gente precisa pra viver. Você já parou pra pensar na quantidade de coisas que tem? Quantas peças de roupa compõem o teu guarda-roupa? Tristemente o mundo ocidental construiu toda a sua dinâmica em uma única atividade chave: Comprar. Criamos uma sociedade-consumo, e as pessoas são literalmente condicionadas a comprar cada vez mais para que a economia cresça (porque se não cresce é uma tragédia) e tudo isso pra que? A economia deveria funcionar para melhorar a qualidade de vida das pessoas, mas no lugar disso faz com que elas persigam coisas pra comprar do mesmo jeito que coelhos perseguem cenouras. O problema é que a cenoura nunca chega. Sempre vai ter um modelo mais novo para o meu celular, ou uma roupa que está mais na moda do que a que eu já tenho. Se entro no jogo, estou sempre perseguindo algo que não tenho e conseguindo aquilo que não quero mais. O que não nos damos conta nesse processo é o seguinte: As coisas que você já tem são as mais importantes por serem as únicas reais. Todo o resto é uma expectativa, uma projeção do ego. Se você não é feliz com o que tem, não vai ser feliz nunca. A felicidade só é possível quando se ama o que simplesmente é, aqui e agora. E confie em mim, você não precisa de muito mais do que cabe numa mochila pra isso.
#3 — Sobre viver do jeito que dá
Se para você dinheiro não é um fator limitante, sinto em lhe informar que acabarias perdendo uma das experiências mais legais de uma viagem a longo prazo. Quando você tem recursos limitados (ou limitadíssimos), você acaba viajando do jeito que dá pra viajar. E isso pode parecer uma coisa ruim, mas juro que essa não é a minha opinião. Viajar com pouco dinheiro te força a reinventar a maneira através da qual se viaja, fazendo com que se aprenda muito no processo de dar um jeito de fazer o que você quer com o que você tem. Dormir na casa de locais, trabalhar em troca de comida e moradia, dormir em lugares que não foram feitos para isso, viajar de carona, comer pouco, caminhar muito e se virar com línguas que você não entende são apenas alguns exemplos dos desafios diários de um viajante. Eu confesso que ainda não cheguei nesse nível de maestria peregrina, mas conheci outros viajantes no meu caminho que não só viajam com o balanço financeiro zerado mas que ainda lucram com a viagem em si. E o que é mais legal disso tudo? Com tantas barreiras para superar, você aprende a apreciar as dificuldades. Você entende que os obstáculos, se encarados da maneira certa, constituem o próprio caminho para o aprendizado genuíno.
#4 — Sobre conhecer gente nova todo dia
Juro que eu não fazia a menor ideia de o quão diverso é o nosso mundo até começar a conhecer pessoas ao redor dele. E isso que só estou viajando a alguns meses, vi uma parte muito pequena da imensidão do planeta! Quanto mais gente conheço, mais me dou conta do quão poucas eu conheço. Pelo menos para mim, o mundo sempre me pareceu singular. Eu costumava trabalhar com empreendedorismo, e para mim o empreendedorismo era a coisa mais importante do mundo. Quando a minha vida era esportes, para mim o mundo inteiro girava em torno da prática esportiva. Era como se inconscientemente eu tivesse a impressão de que os esportes ou o empreendedorismo eram tão importantes pra mim quanto eram para todas as outras pessoas no planeta. Viajar me fez perceber que existem várias bolhas dessas por aí, ao que alguns sociólogos chamam de ‘Campos Sociais’. Um campo social é povoado por um determinado grupo de cidadãos que compartem um mesmo ofício, atividade ou ambiente. Isso faz com que se convencionem valores, códigos e noções de sucesso e prestígio em cada um desses campos. No campo da arte, por exemplo, a luta simbólica determina o que é erudito, ou o que pertence à indústria cultural. A questão é que existem incontáveis Campos Sociais que valorizam e convencionam coisas completamente diferentes em cada uma dessas “bolhas”. Só quando se começa a atravessar de uma bolha para a outra é que nos damos conta de que o nosso mundo na verdade não passa de uma mera percepção baseada nas bolhas dentro das quais estivemos.
#5 — Sobre não se ter roteiro nem itinerário
Acordar, tomar banho, tomar café, se arrumar, ir pra faculdade, almoçar, trabalhar, voltar pra casa, se arrumar, ir pra academia, tomar banho, sair com os amigos e voltar pra casa pra dormir e começar de novo. Isso não existe na vida nômade. Viajar é abandonar a rotina e abraçar o desconhecido. Você dispensou o itinerário e não sabe em que país vai estar na semana que vem. Não sabe nem sequer aonde vai estar amanhã. Conheci algumas pessoas de mais idade pela minha jornada que me diziam: “Que legal isso que você está fazendo, filho. É uma pena que eu não tenha feito o mesmo na sua idade. Na verdade não sei onde foram parar os meus 20 anos, é como se tivesse piscado e acordado com 70”. O que eu percebi viajando é que a vida é inimiga da rotina. Quando se entra em uma rotina, o tempo voa. Quando você vive um dia de cada vez, ficaria impressionado com como os segundos duram mais. Escutar esse tipo de coisa me fez decidir não deixar que o mesmo acontecesse comigo. Eu quero passar pela vida e não deixar que ela passe por mim, vivendo de verdade cada segundo da minha existência. Como diz Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio, quero chegar no final dessa vida como alguém que chega na mesa de um bar e diz: “Mais uma dose, por favor!”.
Mas, e daí?
Eu sei que fazer uma viagem nesse estilo não é pra todo mundo. Conheci pessoas que tem experiências tão ricas quanto a minha (muitas vezes ainda mais) fazendo várias outras coisas que não envolvem viajar. Acho que o segredo está em aprender a tirar lições de tudo o que fazemos, encarando cada lugar como uma escola e cada pessoa como um mestre. Entretanto, acredito que as lições surpresa que essa caminhada tem me dado podem ser úteis nas mais diversas situações da vida cotidiana. Por isso, compilo aqui as cinco principais lições que tive até agora como alguém que comparte pedaços de uma torta muito saborosa, mas grande demais pra comer sozinho:
#1 — Aprenda a mudar o seu mundo a cada novo passo e a cada novo olhar. Aquele que não muda corre um sério risco de ser excelente para um mundo que não existe mais.
#2 — Você não precisa de coisas pra ser feliz, livre-se do que não é essencial e descubra que o que você tem já é tudo o que você precisa.
#3 — Aproveite a aventura que te proporcionam as dificuldades e os obstáculos. Sábio aquele que entende que não existem problemas, apenas situações com as quais aprender.
#4 — Abra-se para as perspectivas das outras pessoas. Aquilo que te parece realidade é apenas a sua própria realidade. Como chegar a soluções para um mundo enquanto duas pessoas enxergam mundos diferentes?
#5 — A vida acontece enquanto você espera o ônibus chegar.