Agroecologia, o bem e o mal
Me chamam de Yuri, sou curador da marca Afrikkana.
Hoje vivo em Imaruí, desbravando caminhos possíveis para um resgate sistêmico das ancestralidades da Terra.
Chamo de ancestralidades as tradições. Os mistérios, as estórias, as tecnologias. Aquilo que fomos condicionados a esquecer.
Os povos antigos conseguem prender a minha atenção, em particular. Despertam em mim uma curiosidade que anseia por experimentação. Como podemos usar os conhecimentos dos povos originários para construir um futuro mais harmonioso?
O Elo comum das ancestralidades é o amor. A base da mensagem de todos os mestres das diferentes tradições da Terra me parece ser essa. Amando a nós mesmos criamos espaço para que brote do silêncio a vontade da alma (Não-Violência Biológica). Amando a nossa paisagem honramos com o legado dos nossos ancestrais (Não-Violência Ecológica). Amando aos outros encontramos a nossa própria liberdade (Não-Violência Antropológica).
Essas três formas de amor são a base da mensagem que busco comunicar através da Afrikkana. Cada conteúdo é cuidadosamente elaborado para incentivar o diálogo necessário para promover uma dialética agroecológica nos nossos sistemas de governança.
A nossa base de operação é no Brasil por termos aqui instalada a segunda (e maior) estação experimental de permacultura social da Afrikkana: um laboratório de agricultura regenerativa focado no reestabelecer da vida nas águas e solos dos municípios da AMUREL, no sul de Santa Catarina – onde vivo hoje, ainda que mantenha presença digital e fraternal na primeira estação experimental que criamos na Africa, hoje manifestada como OCELE. A sigla tem a tradução literal no português como “Organização para Empoderamento Comunitário através da Convivência e Educação – instituição gerida pelo Francisco, Florence, David e Churchil (membros da tribo de Nja-Nja, na região de Kitgum, no norte de Uganda).
As estações experimentais são espaços onde buscamos praticar a tríade das não-violências que resumem o que queremos dizer com “Resgatar nossa ancestralidade”:
1. Cuidar de Si: Não-Violência Biológica
Acreditamos que a luz só pode se propagar a partir da nossa zona zero. Cuidar da própria biologia é celebrar a vida através do carinho com a própria existência. A beleza, o bem-estar e a verdade só podem brotar a partir daí. Praticar a não-violência biológica é criar ambientes sociais onde as pessoas celebram o auto-cuidado, através de uma nutrição integrada que envolve o cultivo de alimentos biodiversos, o uso de produtos “nus e crus” e a formulação de alquimias naturais que elevem a vibração do corpo, da mente e do espírito.
2. Cuidar da Terra: Não-Violência Ecológica
Porque é importante não se separar da paisagem. Tornar-se um com o todo é entender-se brotando da Terra como goiabas brotam de uma goiabeira. Gaia nos gestou e nos acolheu, mas agora anseia pelo nosso acolhimento. Praticar a não-violência ecológica é agroflorestar sabendo que a saúde do solo é também a nossa própria. Aqui, os princípios da permacultura são as bases da nossa interação com o meio-ambiente, guardando as árvores, alimentando o solo e purificando as águas.
3. Cuidar da Gente: Não-Violência Antropológica
No começo nos conectávamos de forma tribal. Os rituais, os ciclos da natureza e a sabedoria dos anciãos nos guiavam como povos nômades, explorando novas paisagens, novas moradas e criando novas histórias no caminho. Não se tirava mais da Terra do que ela podia repor, mantinha-se um profundo respeito com os ancestrais e as condições adversas mantinham um senso de cooperação que era imprescindível para a sobrevivência das tribos. Cada pessoa tinha a sua função e contribuição única para o grupo como instrumentos de uma orquestra segundo uma mesma melodia. O senso de individualidade não existia. Cuidar do outro era como cuidar de si. Praticar a não-violência Antropológica é compreender que “o outro sou eu”, por pior ou mais terrível que o “outro” nos possa parecer.
Até quando vamos nos agredir tentando dizer que nos amamos?
Busco através da poesia propagar um pouco mais do que seria a essência da não-violência antropológica – talvez a que mais mereça a nossa atenção em tempos de tanta desunião verde e amarela:
Agroecologia, o bem e o mal
A semente vai pro chão
Homem-Terra união
Polaridade é criação
A luz cria a escuridão
Bota lá no caldeirão
Assa-peixe e açafrão
Joga o corpo no mundão
Cresce tua proteção
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A gente cuida da terra
A terra da gente
A gente é semente
E o mundo é o chão
Uma viva paquera
Entre o chão e a semente
Que meche com a gente
Desperta emoção
Floreia a cabeça
Com a terra vivente
Com cheiro envolvente
Kombucha na mão
Por mais que pareça,
Não somos a mente
Que mente pra gente
Diz que é o patrão
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Bem e mal é ilusão
Ele e ela união
Todos juntos, compaixão
Não- dualidade é a lição
Poderia eu acolher o meu dragão?
A sombra e a luz numa só intuição?
O medo e o amor comungando do perdão?
Com as mãos e os pés na terra manifesto a integração.
Apwoyo Matek!