A Unidade Atômica de Sustentabilidade
Para que a permacultura social e suas aplicações possam se desenvolver no nosso sistema, uma unidade modelo – particularmente simples, replicável e eficiente – precisa ser constituída. Entretanto, essa unidade não pode ser simplesmente desenhada por alguém, por que para ser real ela precisa ser fruto da experimentação prática de formas de convivência harmônica. Portanto, o objetivo de existência da Afrikkana de desenvolver soluções de permacultura social resgatando valores ancestrais só poderá ser alcançado através de ciclos de tentativa e erro: as bases do aprendizado autoral.
Como explica Fritjof Capra no seu livro “a teia da vida”, organismos vivos se desenvolvem através de fractais. Como um floco de neve, que é um arranjo geométrico das moléculas de água extremamente simples que se combina e repete diversas vezes formando a estrutura complexa do floco. As folhas da samambaia são outro exemplo bem evidente: Cada folha tem a forma dos ramos presentes na própria folha. E assim os padrões da vida vão se criando, a partir de unidades atômicas formando a vastidão cósmica. Quando ouvi isso pela primeira vez, fiquei obcecado com a pergunta: O que seria, sob a ótica da sustentabilidade, a unidade atômica para o desenvolvimento de uma estrutura social que transmute o aparente colapso da nossa civilização?
Depois de muito pensar sobre o tema e conviver em espaços e projetos relacionados, categorizei em um mapa mental três pilares para nortearem o meu estudo antropológico pessoal, que acabou dando forma à atuação da Afrikkana. É a tríade de “Não-Violências”: Biológica, Ecológica e Antropológica. Falo um pouco mais sobre esse tema no texto “Agroecologia, o bem e o mal”, mas em suma essas seriam as lentes de uma filosofia precursora que respeita as formas de convívio dos povos originários. Essas três forças constituem o fractal de transformação social que hoje tentamos gestar nas nossas estações experimentais.
A contribuição conceitual da Afrikkana para o campo da permacultura social é o que chamamos de “Unidades Atômicas de Sustentabilidade” (U.A.S.) – estações experimentais onde os 12 princípios da permacultura são aplicados em mistura com elementos inspirados na jornada do herói, conforme descrita por Joseph Campbell em suas obras. Tudo pensado sob uma perspectiva biológica, ecológica e antropológica – de acordo com cada pilar de não-violência. Durante muito tempo tentei aplicar esses conhecimentos em comunidades em situação de extrema vulnerabilidade social durante a minha viagem, mas acabei descobrindo que não há como aplicar esses conceitos: Apenas experimentá-los.
Apesar do progresso obtido, confesso que na época da InSpark eu não sabia o que eu estava desenvolvendo. Ainda procurava construir castelos de areia na paisagem ao invés de perguntar o que a paisagem gostaria de ser. Aprendi que quando a maré chega (e ela sempre chega), ela faz derreter o que ontem parecia uma fortaleza. A maré, no meu caso, foi a vivência em Nja-Nja que veio lavando as torres do meu Ego. O senso de cuidado coletivo presente naquela comunidade me fez entender que os castelos que construímos não são nossos, eles são da praia.
Se não nos identificamos mais com o castelo, o seu desfazer com o mar deixa de ser uma perda para tornar-se o próprio movimento da vida. A areia volta para o próprio “sistema praia”. Serve de pavimento para uma próxima escultura, que não precisa ser necessariamente outro castelo, mas ao mesmo tempo que carregará para sempre o castelo consigo através da inspiração aos seus construtores, artesões e artistas. É isso que sinto que vem acontecendo com os projetos do Tales4Change e da InSpark Lab que se transmutaram em Afrikkana e OCELE.
Hoje entendemos que o espaço de base comunitária OCELE – em desenvolvimento na tribo de Nja-Nja, no norte de Uganda – tem o objetivo primordial de experimentar formas harmônicas de convivência com todos os seres da paisagem -humanos ou não. Para isso, não existe receita pronta. Justamente por isso a ideia de laboratório social que acaba tendo uma conotação educativa.
O espaço em Imaruí, na estação experimental de permacultura social da Afrikkana chamado “Canto Das Águas” tem a mesmíssima finalidade. É quase como se aqui fosse um espelho do que estamos intencionando para materializar lá, do outro lado do oceano. As experimentações aqui são reflexo de uma inspiração ancestral, que eu acabei captando lá durante a minha estadia. A diferença entre as Unidades Atômicas de Sustentabilidade está na paisagem que as rodeiam. Lá, um recurso natural abundante com potencial regenerativo tanto social quanto ecológico são as árvores do Karité, e aqui no Canto Das Águas esse recurso é o pó de rocha. Os princípios da regeneração são os mesmos, as atividades (plantar, bio-construir na força do coletivo, preservar as águas, respeitar os seres, reunir-se, celebrar, etc) e filosofias por trás das atividades também.
No texto “A economia dos presentes” eu falo um pouco sobre o resgate de uma atitude chave que permeia as estruturas sociais de povos originários: A generosidade mútua. A ideia central de uma U.A.S é justamente possibilitar o desenvolvimento de um ambiente onde essa generosidade possa ser manifestada, tanto através do cuidado com o próprio corpo (não-violência biológica), quanto do cuidado com o meio ambiente (não violência ecológica) quanto o cuidado com os outros (não violência antropológica). Que consigamos construir pontes entre Brasil e Uganda capazes de resgatar a ancestralidade que nos une através do desenvolvimento das Unidades Atômicas de Sustentabilidade.